*Ricardo Voltolini foi um dos primeiros consultores de sustentabilidade empresarial no Brasil e especialista em liderança com valores. Autor de nove livros, entre os quais se destaca “Conversas com Líderes Sustentáveis – O que aprender com quem fez ou está fazendo a mudança para a sustentabilidade”, publicado pela Editora Senac São Paulo. É professor de Sustentabilidade convidado da Fundação Dom Cabral e do ISAE/FGV (Curitiba).
Costumo abrir algumas das minhas palestras brincando com o fato de que, muito provavelmente, a maioria dos presentes nunca tenha passado pela mesma dificuldade que eu ao tentar explicar o seu trabalho para a sua mãe nos almoços de final de semana. Acho até compreensível. Por que minha mãe deveria entender o meu trabalho, se muitas empresas, que poderiam se beneficiar da sustentabilidade como estratégia, também não fazem a menor ideia do que seja um estrategista de sustentabilidade nem da importância de sua atividade?
A dificuldade de entendimento não se dá, no entanto, apenas no círculo familiar mais próximo. Vivi-a ao longo de minha carreira, como se fosse um carma a resgatar. Para não ser mais confundido, como já fui tantas vezes, com um sujeito biodesagradável, um bedel pregador de restrições, um extraterrestre baixado à Terra para salvar o planeta, comecei a me autodenominar como um terapeuta de empresas cuja atuação consiste em colocar o sistema capitalista no divã para levá-lo a refletir sobre e corrigir os seus defeitos.
Entenda a metáfora, por favor. Não se trata de questão ideológica. Nenhum outro sistema econômico conseguiu gerar mais riqueza (o PIB global cresceu de US$ 1,36 trilhão para US$ 80 trilhões em 50 anos) nem melhorar mais a expectativa de vida das pessoas ou estimular mais o crescimento, o desenvolvimento individual e o empreendedorismo. Ao mesmo tempo, nenhum outro sistema distribui tão mal a riqueza gerada, consome tão excessivamente recursos naturais nem se apoia, de forma tão contundente, numa visão utilitária das pessoas, abrindo mão de valores humanos em nome de números e balanços favoráveis.
Que o capitalismo tem virtudes e vícios não há nenhuma novidade. O novo, se assim se pode classificar, é que a sustentabilidade tem sido, conceitualmente falando, uma espécie de guia de revisão dos vícios desse sistema na medida em que prega um novo jeito de pensar e fazer negócios, mais ético, íntegro, transparente, responsável, respeitoso ao ser humano e cuidadoso em relação ao planeta.
Durante anos, imaginei ser um Amyr Klink nessa aventura solitária em que me envolvi por convicção. Não foram poucas as vezes em que me enxerguei como uma espécie de ativista de causa impossível. Ou como integrante de uma seita fundamentalista cujas crenças pareciam interessar a um grupo exclusivo de iniciados “do Bem.”
Em duas décadas, passei por diferentes fases. Na primeira, fui tratado como um romântico que tentava associar num mesmo conceito três instâncias inconciliáveis: negócios, sociedade e meio ambiente. Na segunda, como um bipolar que vivia o falso dilema entre ser lucrativo ou ser sustentável. E na terceira, como teórico de um discurso bem-intencionado mas utópico, sem relação com a realidade empresarial.
Fonte: https://neofeed.com.br/blog/home/onda-sustentavel-faz-capitalismo-repensar-seus-vicios